Honra e dignidade
Clotilde Tavares | 24 de setembro de 2009De todas a coisas que atrapalham e perturbam a nossa vida, penso que uma das mais difíceis é a falta de habilidade que temos para lidar com o outro, com as outras pessoas, com aquelas a quem comumente chamamos “o próximo”.
É tão difícil lidar com o outro ser humano que está ao nosso lado, ou à nossa frente, que quando por algum motivo se juntam dez ou mais pessoas para fazer um trabalho ou qualquer atividade juntas é preciso contratar um “animador”, um profissional com experiência em dinâmica de grupo para quebrar as barreiras que existem entre as pessoas.
Saber se relacionar, conviver, tratar bem, é um talento cada vez mais difícil de ser encontrado. Há tempos, era natural. O cavalheirismo, a polidez, a cerimônia, o esmero no trato com os semelhantes, eram sinais de boa educação e não tinham a ver com classse social, pelo menos na minha época e no meio em que fui criada, estudando em escola pública e filha de uma família apenas remediada mas que levava essas coisas muito a sério. Tais costumes ainda permanecem quando você vai para o interior, para as brenhas, para os lugares “sem rádio e sem notícia das terras civilizadas”.
Modernamente, as relações se deterioraram. As palavras mágicas “desculpe”, “por favor”, “com licença” e “muito obrigado” estão virando coisa do passado. Só tratamos bem ao outro quando queremos um favor, quando queremos conseguir alguma coisa, quando estamos lidando com alguém que achamos que é superior a nós. Para esses reservamos reverências e salamaleques. Já para os que consideramos abaixo de nós, usamos palavras bruscas, desdém e pouco caso.
Isso me faz lembrar um trecho do “Hamlet”, do grande William Shakespeare. No segundo ato, no episódio em que um grupo de atores chega ao castelo para uma apresentação, o príncipe Hamlet ordena a Polônio, um cortesão, que os aloje a alimente, recomendando que os trate bem. Polônio responde que os tratará segundo o merecimento de cada um.
Hamlet então retruca: “Por Deus, homem! Tratai-os melhor! Muito melhor! Se fordes tratar cada homem segundo o seu merecimento, quem escapará da chibata? Tratai-os segundo vossa própria honra e dignidade. Quanto menos eles merecerem, maior será vossa generosidade.”
E depois das palavras de Shakespeare, o que me resta dizer? Apenas, e citando novamente o poeta inglês: “O resto é silêncio.”
Perfeitamente exatas, suas palavras. Mas não há como esperar educação de pessoas adestradas no individualismo fundamentalista: tratar alguém com educação, com respeito, pressupõe que a consideremos pelo menos teoricamente merecedora deste respeito e desta educação. Surgem então dois problemas, não se consideram mais pessoas, porque considerar é pensar, e não se gasta muito pensamento nos outros, e os outros são outros, não são ego. Enfim.
Bom texto, Clô, e estás coberta de razão, boa educação é obrigação, hoje está mais para merecimento, como se fossemos exemplo de merecimento…
E darei uma de advogada do diabo e ter pergunta se as pessoas do interior não tratam os outros assim por se sentirem inferiorizadas, da mesma forma como citaste que na cidade grande tratamos bem quem achamos que nos é superior e mal a quem consideramos inferior, isso pode valer para eles, né?
Texto brilhante, como sempre!
Eu também fui criada “à moda antiga”, cheia dos “po favor”, “com licença”, “muito obrigada” e não me queixo disso, só me espanto por ver que muitas pessoas me consideram um alien por conta disso. Tempos modernos…
Beijos, Cris Yumi
Muito parabéns… Perfeito…
Concordo novemente…
( =
saber escrever é um dom magnífico dona Clô… Parabéns, como sempre…
Complicado não tratar os outros como eu gostaria de ser tratada.
Sempre chamei minha avó de Sra. e minha mãe também, não por respeito, não aquela Senhora de medo, mas sim carinhosamente como a minha mãe chamava a mãe dela.
Você falou do interior e tem toda a razão, aqui ou em qualquer país as pessoas do interior são geralmente mais gentis e cordiais. Ai penso aqui comigo, será que esta loucura do cotidiano das cidades grandes não colabora ainda para que as pessoas percam certos valores de amor ao próximo e a si mesmas?!
Já saí do sério algumas vezes, confeso, me exaltei, mas ainda bem que vamos ficando mais experientes e vendo que a gentileza é sempre o melhor remédio, principalmente para diminuir o estresse e resolver tudo sempre da maneira mais tranquila possível.
Adorei mais uma vez a sua postagem.
Beijão!